“A visita ao Pobre em sua própria casa é a nossa principal obra” (Frederico Ozanam)

“Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou seu povo e o libertou” (Lucas 1,68). A visita é um valor bíblico. Deus visita o seu povo! Desde o início da bíblia a visita faz parte da comunicação entre Deus e o ser humano. Por meio dela propõe-lhe caminhos de segurança para uma vida digna e feliz. Visita para redimí-lo, para salvá-lo. Propõe um caminho de justiça e de amor. Olha especialmente para os que sofrem. Toma partido dos Pobres.
No início da bíblia, lemos em Êxodo que Deus visita seu povo e diz a Moisés: “Vai e reúne os anciãos de Israel para dizer-lhes: O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó apareceu-me dizendo: Eu vos visitei e vi tudo o que vos é feito no Egito. Eu vim ver vocês e como estão tratando vocês aqui no Egito. Eu decidi tirar vocês da opressão egípcia” (Ex 3,16-17). De fato, desde o Antigo Testamento Deus visita o seu povo, reúne-o, formando uma assembléia de irmãos para caminhar em seus caminhos e para cuidar daqueles que sofrem e são oprimidos.
O documento de Aparecida de 2007 fala que “a Igreja é morada de povos irmãos e casa dos Pobres” (DA 8). A Igreja “é morada de seus povos; é casa dos Pobres de Deus” (DA 524). É assim que podemos entender o sentido da Igreja: Casa dos Pobres!
Muito embora haja clareza no Projeto de Deus, a pessoa humana continua nos descaminhos. Na sociedade em que vivemos, moldada segundo os (des)valores da sociedade atual, há uma visível e cruel contradição. Se uma parte das pessoas é tratada como gente, os Pobres desse mundo são tratados como lixo.
Por um lado procura-se fazer com que todas as pessoas sintam-se confortáveis e contentes por aquilo que se chama “atendimento personalizado”. Procura-se sempre reforçar a ideia de que as pessoas são felizes porque suas relações de consumo foram atendidas e de forma personalizada. E sabemos que o principal motivador desta “personalização” são os interesses do mercado: produtos e serviços personalizados geram mais vendas e mais lucro.
Por outro lado, esse endeusamento do mercado e do incentivo ao consumo, gera um dos piores males para o ser humano que é a despersonalização. Vivemos numa sociedade que despersonaliza as pessoas. O ser humano fica reduzido à dimensão das suas necessidades satisfeitas ou não.
Fica assim descaracterizado da sua riqueza existencial e relacional. E o efeito desta despersonalização é devastador nas classes sociais menos favorecidas, nos Pobres. Assim, mesmo na era da abundância material e do consumo exagerado de alguns, existem pessoas que sofrem por causa das suas necessidades essenciais não atendidas.
Essa miséria material afeta também o ser humano na sua forma existencial. Para fazer frente a esta miséria material e existencial, é preciso priorizar o contato pessoal com essas pessoas: os Pobres. Hoje, assim como na época de São Vicente de Paulo e de Ozanam, o espírito da caridade cristã grita: “Vamos aos Pobres”.
São eles que vivem numa situação lamentável de marginalidade e desprezo. Porque nunca são escutados, é preciso escutá-los. Porque nunca são aceitos, é preciso dar-lhes toda atenção e reintegrá-los. Porque não se sentem amados, é preciso amá-los de forma incondicional, assim como Deus nos ama.
E, como escutar, dar atenção, demonstrar amor? Como saber de suas necessidades? Como ajudá-los para que possam superar suas deficiências e seus sofrimentos? Certamente há muitas maneiras de se fazer isso. A Espiritualidade Vicentina nos aponta um caminho: ir até eles, estabelecer um contato pessoal, estar face a face com os Pobres, principalmente na visita domiciliar.
A visita domiciliar é uma maneira de fazer-se presente, como cristãos, na vida dos Pobres. Assim apontou Vicente de Paulo, Luisa de Marillac, Rosalie Rendu e Frederico Ozanam.
A visita domiciliar constitui no primeiro e essencial elemento para um encontro, de pessoa a pessoa, que abre o caminho para o resgate da dignidade dos Pobres. Pode e deve ser realizada no local onde está o Pobre: na sua moradia, nos hospitais, nos asilos, prisões… “Vamos aos Pobres!”
Por meio da visita, um diagnóstico bem feito da realidade da pobreza poderá auxiliar na busca de estratégia para ajudar as pessoas a saírem da pobreza. Ver as suas reais necessidades. Ouvir as pessoas com amor e atenção, estudar suas preocupações, utilizar ferramentas para detectar o que concretamente elas necessitam e o que desejam fazer. As visitas devem ser feitas com alegria e objetividade, escutando e respeitando os direitos e desejos das pessoas assistidas.
O Pobre sempre necessita de algum bem material, humano, social ou espiritual. Mas acima de tudo, necessita experimentar que é amado por Deus e que também é chamado a viver na dignidade dos filhos de Deus, pois foi também para ele – principalmente para ele – que Jesus Cristo padeceu e morreu na cruz. Todo o cristão é chamado a ser sinal da presença do amor do Cristo crucificado.
Frederico Ozanam, por exemplo, descobriu que a melhor maneira de ser este sinal é pela visita domiciliar. Constituiu, pela visita domiciliar, a missão do vicentino; missão que deve ser realizada como testemunho do Evangelho e de forma organizada, como ensina Vicente de Paulo.
Sendo questionado de que os cristãos nada faziam para os Pobres, mais tarde Frederico Ozanam disse: “Eles tinham razão, a censura era merecida. Então, mãos à obra! Que nossos atos estejam de acordo com a nossa fé. Mas o que fazer? o que fazer para sermos verdadeiramente católicos? Fazer o que agrada a Deus: socorramos nosso próximo como fazia Jesus Cristo e coloquemos nossa fé sob a proteção da caridade. Vamos aos Pobres!”. Dizia ainda: “Sentíamos o desejo e a necessidade de alimentar nossa fé no meio dos constantes ataques feitos pelas diversas escolas dos falsos profetas. Então, foi quando nos decidimos: mãos à obra! Vamos fazer alguma coisa que esteja de acordo com a nossa fé. Porém, o que poderíamos fazer para sermos verdadeiros católicos a não ser de nos consagrarmos àquilo que mais agrada a Deus? Vamos socorrer, pois, ao nosso próximo como fazia Jesus Cristo e coloquemos nossa fé sob o impulso protetor da caridade. Unânimes, nesse pensamento, nos unimos. Sim. realmente, para que Deus abençoasse nosso apostolado uma coisa nos faltava: uma ação de caridade. A benção dos Pobres é a benção de Deus. Deus quis formar uma grande família de irmãos e irmãs que se espalhasse por toda parte. É Deus quem a fundou e é Deus que a quis assim” (30/01/1853).
O amor, a dedicação e a opção pelos Pobres marcaram a história e suas vidas. Viver na radicalidade o amor aos preferidos de Deus. “Pobres: Vocês são nossos senhores e nós sempre seremos vossos servidores. Não sabemos amar a Deus de outra maneira; amamos a Deus nas vossas pessoas”. Foi com esse objetivo que um novo estilo de testemunhar a fé foi criado e desenvolvido.
Desde seu início, a Sociedade de São Vicente de Paulo procurou esse contato com os Pobres. O conceito da visita é entendido como expressão do que é mais íntimo na total entrega a Deus e aos Pobres. A visita ao domicílio do Pobre é a expressão de um encontro sempre pessoal e íntimo entre os próprios membros da Sociedade e aqueles a quem querem servir (Regra da SSVP, 14). Os Pobres nos ensinam a viver pela fé e coragem que possuem. Quando o vicentino realiza uma visita com amor e dedicação aos Pobres, assumem as necessidades dos Pobres como se fossem as suas próprias necessidades. Daí brota a misericórdia e a compaixão.
Nesta perspectiva de formar consciência crítica e evangelizadora indo ao encontro dos Pobres, os vicentinos em suas visitas domiciliares, encontram o Pobre face a face, conhecem seus problemas, discutem as causas de sua miserabilidade e partem para os possíveis meios de soluções.
De fato, nasce nessas visitas, a amizade e a confiança entre o vicentino e o Pobre, capaz de interferir e mudar a realidade, pois é na ação e pela ação que as pessoas tomam consciência dos seus direitos e deveres e se formam para o exercício de sua cidadania.
Assim é preciso agir. A mudança dentro de nós e nas precárias condições de vida dos Pobres é possível. Com a graça e a força de Deus, ajudar o ser humano a libertar-se de toda sorte de escravidão. Vicente de Paulo dizia que “nossa finalidade são os Pobres, a gente simples do povo; se não nos adequamos a eles, não podemos serví-los em nada” (XII, 305). Por isso é preciso visitá-los. “Vamos aos Pobres!”.

Fonte: Mizaél Donizetti Poggioli