Para os cristãos vicentinos, a Caridade é amor concreto pela pessoa humana. É amor ao próximo enquanto imagem de Deus, baseado na mais profunda fraternidade.
Não se pode mais entender a virtude da Caridade como sendo unicamente o gesto em dar “esmola”. Este gesto, embora sempre entendido como sendo a ação de ajudar o outro que necessita é, ao nosso ver, apenas uma caricatura de Caridade, ou em muitos casos, até pode ser caracterizada como atitude hipócritas. A prática da Caridade vai muito além disso: exige compromisso e luta pela Justiça Social. A Caridade é sensível ao sofrimento e à miséria alheia.
Pode ser identificada com gestos de misericórdia que abrangem três momentos: 1. Ver a situação da miséria alheia; 2. Compadecer-se com tal situação; 3. Agir, isto é, socorrer o miserável. Lutar pelo Pobre que é injustiçado é uma atitude divina.
Vejamos, por exemplo, quando Deus chamou Moisés para a missão de libertar o povo hebreu da escravidão do Egito. Assim se expressou: “Eu vi a miséria do meu povo. Ouvi seu clamor contra seus opressores, conheço os seus sofrimentos. Por isso desci para libertá-lo. Vai, eu te enviarei para fazer sair do Egito o meu povo” (Ex 3,7-10). Notamos também a atitude de Jesus no relato da multiplicação dos pães: Jesus “viu uma grande multidão e teve compaixão”. Perguntou aos discípulos quantos pães eles tinham. Responderam: “cinco pães e dois peixes”. Então Jesus mandou que todos se sentassem, pegou os cinco pães e dois peixes, pronunciou a bênção, partiu os pães e ia dando aos discípulos para que os distribuíssem (Mc 6, 34-44). São duas situações onde Deus interfere na vida daqueles que não possuem liberdade e daqueles que não possuem o pão. O coração vicentino deve procurar a prática da misericórdia.
Não pode ter apenas uma “comoção do coração”. A misericórdia exige ação de justiça. A mensagem do Evangelho ajuda-nos a entender a justiça social como sendo a prática voltada para o bem-comum, acima do interesse pessoal. Trabalhar pela Justiça Social é empenhar-se para que o Poder Público possa ressarcir a divida social para uma multidão de Pobres que sofrem pela falta de trabalho, de moradia, educação, saúde... e, sobretudo, lutar para que seja diminuído o fosso existente entre ricos e Pobres pela má distribuição de renda. A opção vicentina pelos Pobres, o empenho na luta pela justiça social e a defesa dos direitos humanos são gestos de expressão da misericórdia.
A justiça abrange uma tríplice dimensão: 1. A Caridade Assistencial, que vê o Pobre como indigente e procura atender de imediato suas necessidades básicas: “Estava com fome, com sede, sem roupa, doente” (Mt 25, 35ss) 2. A Caridade Promocional, que vê o Pobre como marginalizado, fora do progresso do bem-estar da sociedade, fora até mesmo da Igreja e dedica-se a dar-lhe condições de “aprender a pescar”,“gerar renda”, “rezar”, integrar-se no processo do desenvolvimento e combater as causas que impedem esse desenvolvimento. Por fim, 3. A Caridade Libertadora, que vê o Pobre como sendo explorado e oprimido e busca libertá-lo de tal situação.
(Confrade Sebastião Ribeiro da Silva, Revista “Voz de Ozanam”, edição Julho/Agosto de 2015).