Reflexão : o “stress da pobreza” e a mudança sistêmica (confrade Dan Torrington)

“Os pobres são pobres porque eles são preguiçosos e não querem trabalhar”. Nós todos ouvimos esta frase em suas diversas versões como explicação para a pobreza. No entanto, as pesquisas em ciência comportamental indicam que o stress produzido pelo acúmulo de faltas relativas às necessidades fundamentais explicam melhor a pobreza de longo prazo. Quando eu entrei na Sociedade de São Vicente de Paulo e fazia minhas primeiras visitas em domicílio, eu dediquei poucas reflexões às razões pelas quais uma pessoa ou uma família estavam em uma situação desastrosa. Meu objetivo era a crise diante dos meus olhos. Não me veio jamais ao espírito que a pobreza era um domínio de pesquisa científica. Nove anos mais tarde, eu tenho uma compreensão maior da pobreza e eu sei que os vicentinos têm um papel importante a exercer para aliviar este fardo.

Ruby Payne, educadora americana e autora do livro intitulado "Um quadro para compreender a pobreza", define a pobreza além da representação que nós fazemos de emblema (a falta de recursos financeiros). Os recursos relacionais, mentais, espirituais, afetivos, físicos e culturais são mais importantes, segundo ela, que o elemento financeiro. Paradoxalmente, Ruby Payne coloca este último como o menos crítico.

Gary Evans, psicólogo, pesquisador e professor na Universidade de Cornell nos Estados Unidos define uma conexão entre o meio ambiente físico, a saúde e o bem-estar de uma criança. Durante 16 anos, ele conduziu projetos de pesquisa medindo o impacto do meio (em todos os seus aspectos) no qual uma criança cresce, e sua saúde mental a longo prazo. A pobreza e a falta sentida desde a primeira infância causam marcas indeléveis de má saúde mental na criança e acentua o stress ao longo dos anos

Segundo seu estudo, os fatores de risco ligados ao contexto ambiental de uma criança desde uma idade jovem são: o barulho, a qualidade do habitat, a promiscuidade com os vizinhos, a falta de qualidade do ensino nas escolas frequentadas, a exposição frequente às cenas violentas, ligada à escassez de recursos familiares (limitando os lazeres culturais), uma estrutura familiar instável, as mudanças regulares de domicílio, as mudanças frequentes de parceiros entre os pais. A instabilidade emocional e o stress engendrados desde a primeira infância são devidos à falta de uma estrutura familiar equilibrada e à angústia dos pais, transmitida aos filhos, de não poder satisfazer as suas necessidades e de não poder lhes oferecer um futuro sereno.

Frederico Ozanam, fundador da Sociedade de São Vicente de Paulo, nos lembra que a questão da pobreza é bem mais complexa do que nós podemos acreditar. Se contentar de assistir uma pessoa pobre sem compreender as circunstâncias e fatores que os levaram até a sua atual condição será aprender o problema por meio de um prisma muito artificial.

Ele defende o estudo mais profundo dos fatores desta pobreza para melhor responder a ela, lutar contra ela, e permitir a melhora das condições de vida das pessoas marginalizades no longo prazo. Este é o princípio da Mudança Sistêmica que defende a ideia de ir além da melhora das necessidades imediatas das pessoas vulneráveis, colocando em prática programas e políticas que tenham como finalidade tornar as pessoas capazes de identificar elas mesmas as causas de sua pobreza.