Leituras: Lv 19, 1-2.17-18; 1 Cor 3, 16-23; Mt 5, 38-48
“Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?”
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
“Ouvistes que foi dito aos antigos:
‘Olho por olho e dente por dente’.
Eu, porém, digo-vos:
Não resistais ao homem mau.
Mas se alguém te bater na face direita,
oferece-lhe também a esquerda.
Se alguém quiser levar-te ao tribunal,
para ficar com a tua túnica,
deixa-lhe também o manto.
Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha,
acompanha-o durante duas.
Dá a quem te pedir
e não voltes as costas a quem te pede emprestado.
Ouvistes que foi dito:
‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’.
Eu, porém, digo-vos:
Amai os vossos inimigos
e orai por aqueles que vos perseguem,
para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus;
pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus
e chover sobre justos e injustos.
Se amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis?
Não fazem a mesma coisa os publicanos?
E se saudardes apenas os vossos irmãos,
que fazeis de extraordinário?
Não o fazem também os pagãos?
Portanto, sede perfeitos,
como o vosso Pai celeste é perfeito”.
Reflexão vicentina
As leituras deste domingo nos fazem refletir sobre a necessidade de buscar constantemente a nossa santificação. Paulo diz na Epístola aos Coríntios que nós somos santos por formação, porque o Espírito Santo habita em nós; basta que O reconheçamos em nós: “não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?”. A leitura do Antigo Testamento nos motiva a ser santos através do amor ao próximo de maneira muito especial: “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Mas, no Evangelho de São Mateus, Jesus nos pede para ir um pouco mais longe; devemos amar e rezar pelos nossos inimigos: “amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem”. Muito difícil, não?
Como sabemos, a busca da santificação é um dos três pilares da vocação vicentina (os outros dois são o serviço direto e incondicional ao Pobre e a defesa da justiça). Portanto, o tema das leituras deste domingo é a base da formação de nossas Conferências. Não nos esqueçamos de que Ozanam e seus amigos, antes de servirem aos Pobres e lutarem pela justiça, formaram as Conferências de História para ter um “ambiente de amigos protegido” para que juntos buscassem ser santos. Esta deve ser também a nossa razão de ser.
Ozanam e seus amigos foram inicialmente movidos pelo desafio intelectual. Queriam utilizar seus conhecimentos e o ambiente da Universidade da Sorbonne, para defender sua fé e a justiça de Deus: por isso, criaram as Conferências de História. Estas Conferências já tinham um enorme valor em si mesmas; eram a arena onde podiam defender a Igreja dos ataques que sofria no Iluminismo. Utilizavam o mesmo rigor acadêmico e científico que os intelectuais da época, mas para evangelizar: que extraordinária missão! A Conferência de História era o meio pelo qual Ozanam e seus amigos punham todo o seu conhecimento e o seu trabalho para se santificar, para estar mais perto de Deus, desafiando os ateus, em especial, os sansimonianos. Mas tudo isso era feito em um ambiente protegido; cada um protegia e era protegido pelos demais membros da Conferência.
Em um dado momento, Deus os tocou de forma diferente, mas com o mesmo objetivo. Mostrou a eles que o serviço direto, solidário e pessoal ao Pobre seria o verdadeiro meio de sua santificação. Isto fez com que transformassem a Conferência de História na Conferência de Caridade. Mas muito da essência da Conferência de História se manteve: a busca da santificação e a formação de um grupo de amigos que o fizessem juntos.
É importante salientar que a forma como Deus “tocou” Ozanam e seus amigos foi através da provocação de um inimigo, um sansimoniano que era contra a Igreja. Ele disse a Ozanam: “vocês falam muito sobre a Igreja e sobre a caridade, mas não fazem nada de prático para realizá-la”. Ozanam poderia ter tomado esta provocação como uma oportunidade para atacar o seu “inimigo”. Mas preferiu escutá-lo, dar-lhe importância: esta é uma forma de “amar o nosso inimigo”, como Jesus nos pede no Evangelho deste domingo. Ao escutarem o “inimigo”, os membros da Conferência de História tomaram uma decisão que mudou a vida de milhões desde então: “vamos aos Pobres”; e fundaram a Conferência de Caridade (depois, Conferência de São Vicente de Paulo).
De fato, amar nossos inimigos, escutando-os e dando-lhes a importância devida também faz bem a nós e ao mundo. Qualquer pessoa, inclusive os nossos inimigos, tem o Espírito Santo dentro de si. Ela pode optar pelo pecado, mas ela não é o pecado. Esta diferença entre a pessoa e o mal que pode tomar conta dela foi belamente resumido pela frase célebre do Papa João 23 (“o Papa Bom”): “eu odeio o pecado, mas amo o pecador”. Assim devemos ser nós vicentinos!