Às vezes, por mais humildade que aparentemos ao olhar alheio ou por mais caridosos que pretendamos ser, o "velho" ego que há séculos nos acompanha, revela-se, mostrando nos bastidores de nosso comportamento e atitudes, a sua verdadeira face.
E quando o ego associa-se ao poder como sendo uma característica do histórico de reencarnações do espírito, essa relação "ego-poder" permanece cristalizada em seu modelo comportamental, mesmo que o indivíduo esteja imbuído de boas intenções no trato com a caridade.
Ao longo da história da humanidade, a relação ego-poder vem se repetindo em praticamente todas as áreas de atuação humana, principalmente nos âmbitos religioso, político e da iniciativa privada, quando associados à caridade.
No passado, faraós, reis, imperadores e papas ficaram famosos por associarem ao seu eu, obras colossais. Mais recentemente, ditadores e políticos eleitos pelo voto popular perpetuaram os seus egos em obras gastas com verba pública, sendo que a maioria delas desnecessárias como gigantescos bustos ou estátuas de corpo inteiro.
As denominadas popularmente de "obras faraônicas", encontradas também no âmbito religioso para seduzir fiéis, revelam em seus bastidores o que ainda encontra-se atrelado ao ego, como a vaidade, o orgulho e a ambição.
A megalomania associada ao poder é um desequilíbrio psíquico-espiritual que acompanha muitos espíritos desde tempos imemoriais. A necessidade de chamar a atenção sobre si, revela ainda, um eu inferior que necessita de fama, de estrelato, de aprovação e auto-afirmação constantes para sentir-se bem em seu narcisismo projetado para a construção de obras suntuosas e que tenham como "marca" o seu ego, seja implícita ou explícitamente.
Francisco Cândido Xavier, o nosso "Chico Xavier", considerado por espíritas e não espíritas um exemplo de humildade -apesar de sua gigantesca obra realizada em prol dos necessitados e carentes de apoio moral ou espiritual-, pode ser considerado também uma antítese da perpetuação do ego. Sua experiência vital entre nós: clara, límpida, transparente e translúcida não deixa dúvidas sobre a integridade de seu caráter e da condição do espírito em franca trajetória evolutiva.
Podemos citar também como exemplos de dedicação à caridade, os espíritos de Bezerra de Menezes, o "médico dos pobres", madre Teresa de Calcutá, Francisco de Assis e outros iluminados que libertaram-se das armadilhas do ego para a prática da autêntica caridade.
Diz o dito popular que "não basta-nos aparentar, temos que ser...". E o "ser" que é o problema, porque representa uma difícil tarefa -um desafio- de desapego gradual das influências do eu inferior que há milênios determinam traços de caráter e personalidades, que envolvidos no ciclo vicioso das reencarnações, repetem modelos comportamentais em que o ego é a expressão máxima da experiência vital...
A verdadeira caridade é anônima, despretensiosa, mas intensa no sentido do sentimento que a vincula ao seu objetivo, que é a prática do amor incondicional: "Fazer o bem sem olhar a quem".
Quando vinculamos a nossa personalidade -ou marca- à proposta caritária, estamos divulgando o ego em forma de "mercadoria", ou seja, estamos carimbando a nossa "marca" no mercado das boas intenções.
Portanto, libertar-se das amarras do ego e transformar atitudes ou iniciativas em prol da verdadeira caridade, depende da reforma íntima ou processo de autoconhecimento, que faz emergir à luz da consciência o conteúdo revelador do que realmente somos.
Quando as máscaras do ego caem, revelando a nossa verdadeira identidade, é porque estamos a caminho da libertação. O caminho que mostra-nos que o ego é efêmero ou seja, uma identidade ilusória associada às nossas históricas ligações com o poder e os valores do materialismo.
A leveza do ser que pratica o amor incondicional, dispensa ostentação, posse, auto-afirmação ou aceitação pública e reconhecimento. O ser despossuído de valores efêmeros e que pratica o amor abrangente, "faz o bem sem olhar a quem", porque o seu olhar interior através dos olhos da alma, contempla a interdimensionalidade da vida pelo prisma dos valores eternos que encontram-se externalizados em sua consciência e na transparência de suas atitudes.
Essa é a abismal distância que separa as dissimuladas intenções do ego e a prática da verdadeira caridade.
Autor: Flávio Batos