O cartaz da Campanha da Fraternidade de 2024 tem como ilustração um grupo de pessoas sentado em volta à mesa, em um momento de partilha. Embora não seja uma imagem vicentina, ela ilustra muito bem as reuniões da Sociedade de São Vicente de Paulo. Pretos, brancos, pardos, homens, mulheres, adultos, idosos, jovens e crianças se encontram semanalmente e, na mesa das deliberações, compartilham desafios, sonhos e o desejo de uma comunidade mais justa e fraterna.

E existe ainda mais semelhança entre o trabalho vicentino e a Campanha da Fraternidade deste ano. Destas reuniões e da luta constante pela promoção social dos Pobres, nasce uma amizade verdadeira por parte dos membros que, segundo o padre Júlio Evangelista Resende (religioso da Ordem da Santa Cruz – OSC), é um exemplo concreto de ‘Fraternidade e Amizade Social’, tema da Campanha em 2024.

Padre Júlio mora em Campo Belo, na área do Conselho Metropolitano de Formiga, e é um importante entusiasta do movimento vicentino na cidade. Em entrevista ao site do Metropolitano, ele explica melhor sobre o tema da campanha e a relação dele com a SSVP.

CM Formiga - O que é amizade social?

Padre Júlio Resende - Quando falamos de Amizade Social, principalmente no contexto da Campanha da Fraternidade de 2024, precisamos retomar o pontificado do Papa Francisco. Na encíclica Fratelli Tutti, o Papa expressa inúmeras vezes o seu amplo entendimento sobre a Amizade Social, ou seja, a capacidade e o esforço humano de estabelecer relações fraternas, construir vínculos de diálogo e convivência pacífica, de valorizar a dignidade humana e o bem comum. A Amizade Social pode ser entendida como essa capacidade pessoal e comunitária de convivência harmoniosa, pacífica e respeitosa entre as pessoas. Nossa sociedade atual precisa e carece de experiências concretas que superem as divisões, polarizações, conflitos, rivalidades, ódio e tudo que impede de viver de forma respeitosa uns com os outros. A Amizade Social possibilita a cultura do encontro muito propagada pelo Papa. Nesse sentido, a amizade social tem um profundo fundamento na visão bíblica da convivência fraterna entre as pessoas. No Antigo, assim como no Novo Testamento, existe um vasto repertório de texto que indica que a humanidade encontra sua vocação primordial na convivência fraterna. O convite a reconhecer-nos como irmãos e a buscarmos conduzir nossas vidas marcados por essas experiências de irmandade estão na essência da nossa fé enquanto cristãos.

CM Formiga - Os vicentinos são grupos de amigos, unidos por único ideal: o amor a Jesus Cristo que se faz presente na pessoa do Pobre. Este é um exemplo de amizade social?

Padre Júlio Resende – A amizade social deve ser compreendida sempre como esta capacidade de vivermos e relacionarmos uns com os outros de forma pacífica e fraterna. Nesse sentido, a Sociedade de São Vicente de Paulo pode ser considerada como uma experiência concreta da vivência dos ideais e dos valores profundos da amizade social. Os vicentinos, pelo ideal de proteção à vida, de amor ao próximo e de caridade com os mais necessitados, demonstram um profundo zelo e cuidado com os irmãos. No silêncio das Conferências Vicentinas espalhadas pelo país, a SSVP, com seu trabalho e missão, contribui de forma muito concreta com a construção de relações fraternas e de amizade promovendo bem a solidariedade e o amparo. Todo esse trabalho da SSVP tem como base o Evangelho de Nosso Senhor, que nos convida a reconhecer o rosto do próprio Cristo nos irmãos que sofrem, como relatado no capítulo 25 do Evangelho de São Mateus: ‘tudo que o fizeres ao menor dos meus irmãos foi a mim que fizeste’. Este é um pilar fundamental na construção da amizade social, viver como irmãos e nos reconhecer como irmãos.

CM Formiga - Por que esta amizade é tão importante para a Igreja Católica?

Padre Júlio Resende - Para a Igreja Católica, o tema da amizade social está profundamente enraizado na nossa compreensão do seguimento a nosso Senhor Jesus Cristo. Os relatos dos Evangelhos nos apresentam como Jesus primeiramente formou uma comunidade de discípulos e com estes vivenciou profundas relações de amizade e fraternidade, mesmo diante das diferenças no interno do grupo. Os ensinamentos e o próprio testemunho de vida de Jesus nos apresentam um modelo a ser seguido, no qual somos chamados a colocar em prática valores importantes na convivência. Podemos ressaltar o perdão, a sensibilidade com o sofrimento dos outros, a compaixão, entre outros aspectos da vida de Jesus. Além disso, no decorrer da história desde a Igreja primitiva, passando pelos grandes teólogos, o Magistério da Igreja sempre indicou a necessidade de que a fé cristã pudesse ser traduzida e inspirar a convivência dentro da sociedade. Desta forma, podemos compreender que para a Igreja Católica a amizade social se funda na vocação humana em viver o amor a Deus e aos irmãos. Os fiéis são chamados a construírem relações de paz, de fraternidade e de diálogo em todos os ambientes onde estiverem inseridos. A Doutrina Social da Igreja ilumina nosso jeito de estar no mundo e nos convida, como católicos, a ser sal e luz.

CM Formiga - O que fazer para fomentar esta amizade?

Padre Júlio Resende – Muitas podem ser as iniciativas para fomentar a amizade social em nossa sociedade nos diversos espaços onde estamos presentes. Pensemos primordialmente nos processos educativos que ajudem as novas gerações a cultivarem a capacidade do diálogo, do encontro, do respeito e da convivência pacífica. Outro ambiente importante no qual somos chamados a promover essa amizade social é no campo da comunicação social. Os nossos espaços virtuais precisam ser permeados também por iniciativas de respeito, tolerância, cuidado e principalmente responsabilidade com aquele que compartilhamos. Devemos nos perguntar: nossos conteúdos promovem a fraternidade, o diálogo, o encontro ou semeiam a divisão e a incapacidade de vivermos bem uns com os outros? Um aspecto prático dentro da missão da Sociedade de São Vicente Paulo podemos ressaltar que o cuidado com os mais vulneráveis é uma maneira concreta de buscarmos construir a amizade social.  Neste serviço, reconhecemos o valor e a dignidade dos irmãos como filhos de Deus e buscamos socorrê-los em suas necessidades promovendo a vida, promovendo sua dignidade. Essas são algumas das inúmeras iniciativas que a Campanha da Fraternidade de 2024 nos propõe a viver neste tempo. O convite de Jesus: ‘Vós sois todos irmãos irmãs’ (Mt 23,8) permanece atual e principalmente urgente na nossa atualidade. Como filhos de São Vicente de Paulo e do Beato Frederico Ozanam, somos chamados a sermos protagonistas de uma sociedade na qual a amizade social se faz presente.